No
mês de junho ficava combinado entre a turma
que a Festa de São João Batista, seria na casa da Conceição e da Ana,
mais precisamente, na casa do tio Jaime e da Tia Francisca. Assim, após o término do período noturno de aula,
nos dirigíamos alegremente à “Casa da Conça”, como a gente dizia. Às vezes
outros filhos como Manoel Jaime e o Luís também vinham para a festa. Mas sempre
para ajudar a tia Francisca, estava presente a sua filha Mariquinha. Foi ela
quem ensinou quatro simpatias que fazíamos durante a festa, a primeira era a de
enfiar uma faca na bananeira e retirar no dia de São João, antes do amanhecer,
para verificar o nome que aparecia na faca. Outra simpatia era feita no quarto
escuro com o espelho na mão, pedindo para São João, que mostrasse a face da
pessoa após rezar a Salve Rainha. Pegar dois carvões na fogueira e pensar no
nome da pessoa amada daria certo se os carvões se juntassem na água, após serem
colocados na bacia com água. Outra simpatia era feita com um copo, um fio de
cabelo e uma aliança de casado. Pensar na pessoa amada e esperara pelas batidas
da aliança no copo, para verificar quantos anos levaria para casar. No fundo do
quintal ardia uma grande fogueira que o tio Jaime havia acendido ao entardecer.
Durante toda noite e durante toda a festa, era ele quem cuidava para que o fogo
não se apagasse. Daquele calor da fogueira, vinha uma gostosa sensação de que a
luz brilhava em meio à noite fria e escura de junho e o barulho dos traques,
bombas e rojões, espantavam toda a tristeza e solidão. A mesa posta no quintal
e as cadeiras dispostas num grande círculo completavam a harmonia deste
encontro que tinha: pipoca, quentão, bolo de milho e outros confeitos que a
tradição nordestina não deixava acabar. Ali dançávamos, conversávamos e
compartilhávamos as iguarias dos famosos São
Joões do Nordeste. Outros eram batizados na fogueira e passavam a ter
madrinha de fogueira, como dizia Zezé do Carmo. Outras promessas e simpatias fervilhavam
por nossas cabeças, assim para reforçar o que dizia tia Teodora, que descobriu
o nome do marido numa simpatia de São João, também nós, de vela na mão,
fazíamos o seguinte ritual: após acender a vela na fogueira, colocávamos um
prato branco com água que dava para se espelhar e íamos pingando, bem
devagarinho, a vela dentro do prato tentando ler que inicial ou nome ali se
formava. Um círculo de curiosos ficava tentando a decifrar os desenhos ou as
letras, acreditávamos formar no prato. Também comíamos batata-doce assada na
fogueira fazendo pedidos a São João. Mas a simpatia que todos esperavam só
podia ser feita só depois da meia noite da Festa de São João. Com a festa
acabando e a fogueira raleando, retirávamos com cuidado brasas da fogueira que pacientemente
esperávamos esfriar para virar carvão. Assim, de posse desse pedaço de carvão,
colocávamo-lo, como um sagrado objeto em nossas mãos, e sem conversar com mais
ninguém íamos embora rezando, para chegarmos rapidamente em casa e nos
deitarmos. As últimas orações eram feitas na cama, onde debaixo do travesseiro,
depositávamos o carvão para depois dormir. Parecia que o sono demorava a vir,
pois não víamos a hora de, ao acordar no outro dia, levantar a fronha e ver que
nome ou letra o carvão desenhara. Esse era o nosso São João em Dobrada, na casa
do Jaime Venceslau. Passou o tempo, e após a sua morte, a fogueira não mais se
acendeu. Mesmo assim, não dá para passar em frente à sua casa e deixar de
sentir uma forte pontada de saudade que outras festas de São João não podem
suplantar. Sinal dos tempos: hoje ficou apenas em nossa memória o barulho da
meninada, o cheiro da comida e o calor da fogueira que para sempre se
apagou. Vejo-me, talvez como ela,
apagando, sem o brilho e o calor que o fogo da vida pode nos dar. Hoje entendo
a expressão única do poeta Manoel Bandeira, quando essa baita saudade, que somente os
mais velhos sabem o que é, bateu fundo em seu peito quando ele assim
escreveu no poema Profundamente, de
seu livro Libertinagem: “Quando eu tinha
seis anos, não pude ver o fim da festa de São João porque adormeci. Hoje não
ouço mais as vozes daquele tempo, minha vó, meu avô, Totonho Rodrigues,
Tomásia, Rosa, onde estão todos eles? –
Estão todos dormindo, estão todos deitados dormindo profundamente” (BANDEIRA|,
1985 – p.218). Você tio Jaime, como muitos outros de suas festas, e porque não
dizer, um pouco de cada um de nós, também está dormindo profundamente...
* Paulo César Cedran é Mestre em Sociologia, Doutor
em Educação Escolar pela Unesp de Araraquara, Supervisor de Ensino da Diretoria
de Ensino – Região de Taquaritinga, Docente do Centro Universitário Moura
Lacerda de Jaboticabal e Uniesp -
Taquaritinga.
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